Quem teve a idéia de cortar o tempo em fatias, a que se deu o nome de ano, foi um individuo genial.Industrializou a esperança, fazendo-a funcionar no limite da exaustão.Doze meses dão para qualquer ser humano se cansar e entregar os pontos. Aí entra o milagre da renovação e tudo começa outra vez, com outro número e outra vontade de acreditar que daqui para frente tudo vai ser diferente!
O Ano Novo ainda não tem pecado: É tão criança... Vamos embalá-lo... Vamos todos cantar juntos em seu berço de mãos dadas, A canção da eterna esperança.
Se tivesse pensado melhor a vida, Certamente a tornaria mais divertida; Não pensaria tanto Pra tomar qualquer decisão, Não deixaria a razão Se instalar por todo o canto. Muito mais autonomia, Eu daria ao coração, Que faria da poesia, O seu manual de instrução.
E se testarmos as metades das laranjas? Deixe a sua acoplada com a minha. Se não ficar direito, a gente ajeita. A de baixo parece estar perfeita, a de cima, se conserta. Eu mexo meu pedaço, o seu aperta até que as partes fiquem ajustadas. Certamente iremos descobrir a melhor maneira de extrair o sumo para doce laranjada.
De passagem, como a véspera imprecisa do poema, principia em mim a planície agreste da solidão dos outros. E a não ser o silêncio poente dos meus olhos, tudo o resto me diz que sou um pássaro a voar, inconsequentemente, no sentido das palavras.
O poema saiu minguado. Não era o que eu queria; O verso estava salgado, Embora doce estivesse a poesia. O tempero andou desandando, Nessa receita de inspiração, O sentimento acabou solando, Por falta de motivação.
O leitor que mais admiro é aquele que não chegou até a presente linha. Neste momento já interrompeu a leitura e está continuando a vigem por conta própria.
Estive pensando muito na fúria cega com o que os homens se atiram à caça do dinheiro. É essa a causa principal dos dramas, das injustiças, da incompreensão da nossa época. Eles esqueceram o que têm mais humano e sacrificam o que a vida lhes oferece de melhor: as relações de criatura para criatura. De que serve construir arranha-céus se não mais almas humanas para morar neles? É indispensável trabalhar, pois um mundo de criaturas passivas seria também triste e sem beleza. Precisamos, entretanto, dar sentido humano às nossas construções. E quando o amor ao dinheiro, ao sucesso, nos estiver deixando cegos, saibamos fazer pausas para olhar os lírios do campo e as aves do céu.
O que me dói não é O que há no coração Mas essas coisas lindas Que nunca existirão... São as formas sem forma Que passam sem que a dor As possa conhecer Ou as sonhar o amor. São como se a tristeza Fosse árvore e, uma a uma, Caíssem suas folhas Entre o vestígio e a bruma.
Disfarça, tem gente olhando. uns olham pro alto, cometas, luas, galáxias. Outros olham de banda, lunetas, luares, sintaxes. De frente ou de lado, sempre tem gente olhando olhando ou sendo olhado Outros olham pra baixo, procurando algum vestígio do tempo que a gente acha, em busca do espaço perdido. Raros olham para dentro, já que não tem nada. Apenas um peso imenso, a alma, esse conto de fada.
Meio-tom. Bom termo entre os excessos, equilibrado confesso, pondero entre extremos. Outono, coleciono trechos de poesia tirado de cores e de brisas, do peito da tarde que se descamisa em seu desfecho. Da maturidade, deixo a fruta que se queda pronta sobre a terra quando minha temporada já se encerra e cede vez à estação substituta.
Flora Figueiredo em 'Estações' Foto Pedro Casquilho
Hoje teu olhar Está por demais expressivo, E meu coração, Que anda tão receptivo, Talvez não resista A tamanho magnetismo. Por isso uso lente de contato, Que aciona um mecanismo De reflexo imediato; Instrumento eficaz de proteção, Capaz de aniquilar Qualquer arma de sedução.
Sempre frágil e breve, o Ipê se comove porque prevê curta estada no cenário. Levado pela emoção da despedida, chora amarelos um pouco antes da partida. Só volta agora ao findar a rotação do calendário.
A emoção é uma estrada Que não tem sul, nem norte; Que conduz ao desconhecido, Ao inimaginável, Mas que, com um pouco de sorte, Te leva a um campo florido, A um lugar impensável. Se, por vezes, o beco ou a rua É um lugar sem saída, Nem sempre a culpa é sua, Se essa estrada é comprida. Mas se for bem conduzida, A emoção te mostra lugares Nunca antes percorridos, Te faz viajar pelos ares, Sobrevoa céus desconhecidos. Mas se um amor novo aflora, Surge uma nova estação; A primavera do sentimento Chega bem nessa hora, Da florada da emoção.