quarta-feira, 29 de abril de 2020

SOL INCONFESSO






Sol inconfesso

enevoado 
de sombras oníricas
anseios dispersos.
Assim eu sou
esse amálgama 
de sonhos em recesso
aguardando Saturno
depurar o excesso.








Elizabeth F. de Oliveira






JANELA DO HOSPITAL



O que te salva
são as nervuras
por onde pendem 
iluminuras
frestas de uma brancura
inconciliável com o negro
da pintura
a dissimular a luz do sol.

Janela do hospital
aceso portal
enegrecido na parede. 





Elizabeth F. de Oliveira






ESSE AGORA




Esse agora
devenir do instante
aflora em punhos 
da profundidade do tempo.
Filho do silêncio
neto da demora
lentura que se espelha
na superfície da hora.







Elizabeth F. de Oliveira



segunda-feira, 19 de novembro de 2018

TRAVESSIA





Deixa-me pegar na tua mão
porque o rio é fundo,
tenebroso
e as margens, de incerteza.
Deixa-me pegar na tua mão
para fazer a travessia
nesse vale de tantas sombras.
Deixa-me pegar na tua mão
pois posso ser tragada 
pelo medo e não ser capaz 
de emergir outra vez.

Deixa-me pegar na tua mão
referta de luz e alento:
meu cais em movimento.











Elizabeth F. de Oliveira





quinta-feira, 1 de novembro de 2018

FUEGO








Flamenco é
flama
fogo
paixão.
Pré-requisitos:
ardência na alma
centelha no coração.
Acessa o primitivo
ateando,
por atrito,
fogo no chão.
Com(passo) ígneo
e sonoro,
marcando
(sob aplausos)
o solfejo do instinto.
Flamenco:
el fuego de la pasión!







Elizabeth F. de Oliveira


sexta-feira, 19 de outubro de 2018

REFLEXÃO





A lombar comprometida
já não sustenta 
o peso da vida
sobre esses ossos
tão mortais.
A pressão descontrolada
é batalha líquida 
travada na veia
das contradições.
E o coração descompassado
aponta o norte 
errado no seio
das emoções.






Elizabeth F. de Oliveira

quinta-feira, 26 de julho de 2018

SUNRISE





                                                   para Isidora Bushkovski




Tua dança coreografa
meus olhos de poesia.
Cada movimento,
um poema adornado
de silêncios:
a poesia do inefável
bailando a ausência
das palavras.
Um corpo celeste 
uma estrela que brilha,
na órbita da leveza,
a dança da eternidade.







Elizabeth F. de Oliveira


terça-feira, 19 de junho de 2018

ALZIRA DE ALÉM-MAR





Cigana
concebida nas entranhas
dos antepassados,
na clareira do tempo
onde chovem de dor
os dias.
Vieste 
para bailar o presente
girando as vicissitudes
de ponta-cabeça.
Na saia,
movimentos de cura
para afogar no oceano
um passado Atlântico
de tristeza e mágoas.
Agora renasces
- sem aviso ou fronteira - 
da ponta do lápis 
à ponta do pés,
para interromper
o círculo vicioso
de lágrimas
que se instaurou
nos olhos dessas mulheres. 







Elizabeth F. de Oliveira





segunda-feira, 21 de maio de 2018

LUCCHESI

Marco Lucchesi



Minha admiração
é reticência,
contemplação - 
marco sublime
diante do qual
me curvo
lacerada
por tamanha beleza.
O mesmo Marco
que  me povoa
as orações
e por quem rogo
ao Universo
que lhe proteja
a existência:
primordial
única
e eterna.
O Marco,
cujos olhos
permeiam
a verdade poética
da solidão,
da distância,
do abismo
e de Deus.





Elizabeth F. de Oliveira






segunda-feira, 14 de maio de 2018

ESPIRAL







Meus sonhos
invernam
na hesitação dos dias.
Das estações,
o outono principia
hora de dizer adeus
à ardência do verão
à exuberância da primavera
porque o tempo
é silêncio
e a solidão rodopia
suavemente
diante dos meus olhos:
espiral cíclico 
da sabedoria. 








Elizabeth F.de Oliveira







quinta-feira, 3 de maio de 2018

BELONGING




Pertenço
ao céu e à terra.
sou um misto
de amor e ira:
o yin e o yang
do destino
pisando-me 
sobre a cabeça e
adornando pegadas
aos meus pés.
Nascida da eternidade
trago o estigma 
da dualidade
queimando o corpo 
da existência.
Sigo,
pertencendo a 
esses mundos,
cuja substância
carrego inalterada
dentro de mim. 









Elizabeth F. de Oliveira





sexta-feira, 27 de abril de 2018

MARCO



                                                                            para Marco Lucchesi



O meu marco
é sinfonia de silêncio
e o outro Marco, 
proximidade
e
distância:
uma miríade
de centelhas luminosas
na nebulosa
beleza de Ser.


Os meus marcos
são, na verdade,
um só
fundidos 
na eloquência
de um silêncio
que só o abismo
consegue  compreender.






Elizabeth F. de Oliveira



quarta-feira, 25 de abril de 2018

LUGAR






Entre o tangível 
e o intangível
tu habitas,
na linha mais tênue
da doçura
tão etérea
quanto efêmera
tão sincera
quanto ingênua;
neste onde
que se esconde
no anonimato
da ternura.






Elizabeth F. de Oliveira





quinta-feira, 6 de julho de 2017

BORBOLETA




                                                                              para Tammires


Do casulo da vida
nasci lagarta,
o ventre do Pai
me acolhendo 
no colo da timidez.
Mas vieram os dias de Sol 
e o movimento do tempo 
me fez olhar para fora.
Inebriada fui
pela beleza do infinito
e ganhei asas no quadril:
a liberdade de ser borboleta
nos palcos do mundo,
sem deixar de ser lagarta,
encolhida 
na metamorfose do silêncio.





Elizabeth F. de Oliveira







sexta-feira, 20 de janeiro de 2017

NAU FRÁGIL






Náufraga
de teus olhos,
esse oceano
de clara profundeza
que me engolfa
em sublime correnteza
para o abisso
de mim.



Nau frágil
à luz de teus olhos.






Elizabeth F. de Oliveira



DANÇA



 "Ter fé é dançar na beira do abismo"
 Nietzsche






Coreografo abismos
numa dança nietzschiana
ensaiada pela fé.
Nada sei,
só ouço a música
que me movimenta
no bailado do tempo
e me entrego,
à beira do precipício,
desafiando
a gravidade da lei,
vendada
pela vertigem da paixão.







Elizabeth F. de Oliveira 





OPTCHÁ!




Rodopias, gitana, 
tua alegria
traçada em todo chão.
Acampas o destino
sob os pés
em nomadismo de mistérios
e lendas.
Trazes, nas veias,
a força de uma linhagem
e a sina
na palma da mão.
Agitas a saia
com euforia e altivez:
fogueira crepitando
no solo da tua essência.



Elizabeth F de Oliveira



segunda-feira, 18 de abril de 2016

DANÇA DO VENTRE


A bailarina Rachel Brice pintada por Ferguson






O corpo em mutação.
A serpente sinuosa
no mistério do infinito:
ondulação.
A leveza do véu
nas asas do  movimento:
levitação.
O sopro da  dança  
no  ventre da alma: 
consagração.


O bailado da ancestralidade
no templo da tradição.






Elizabeth F. de Oliveira


quarta-feira, 6 de abril de 2016

HEBRAICO








Procuro
nesse alfabeto antigo,
a sombra de um
antepassado,
um mar morto em mim.
Mas a geografia dos meus olhos
é  Aravá,
o deserto que fui e ainda sou.
Passos incertos
peregrinando a história
do que busco:
encontrar-me,
sem muro ou lamentação
do que fui
e do que me tornei.








Elizabeth F. de Oliveira




segunda-feira, 15 de fevereiro de 2016

PROFUSÃO







A profusão do sentir
expande o território
onde  a solidão
me desabriga.
O ermo que em mim
avança,
em austera geografia,
contrai
e subtrai
o meu coração.






Elizabeth F. de Oliveira




terça-feira, 17 de novembro de 2015

ESPERAS







Vivo a nostalgia
do que não foi
(o reverso das palavras
celebrando a ausência),
o pequeno drama
do ainda-não.
Coabitam em mim
esperas persistentes,
essa eternidade pressentida
pelos vestígios
de meus solitários abismos.






Elizabeth F. de Oliveira




sexta-feira, 2 de outubro de 2015

SHIME

                                         
Solange Costa
bailarina internacional e coreógrafa



                                                                           para Solange Costa                                             


O Sol longe encosta
e  desliza sinuoso
no horizonte da palavra,
dança no ventre do verso,
movimento sensual:
oriente místico de poesia.
Tua presença  ensolarada
reverbera em shime* de luz ,
estremecendo de significados
o corpo do poema.








Elizabeth F. de Oliveira






*Shime é um dos principais movimentos da dança do ventre.