Leio o teu nome na página da noite: Menino Deus... E fico a meditar no milagre dobrado de ser Deus e menino. Em Deus não acredito. Mas de ti como posso duvidar? Todos os dias nascem meninos pobres em currais de gado, crianças que são ânsias alargadas de horizontes pequenos. Humanas alvoradas... a divindade é o menos.
A luz se apagou em meus olhos. O que neles reside é uma opaca lembrança entornada de mágoas. Já não há nascente, o que me resta é o crepúsculo de uma desavisada sombra de saudade.
O tempo enevoou meus olhos com um halo de encantatórias promessas. Embriagada pela miragem do teu regresso, fui abruptamente surpreendida pela ofuscante nitidez da verdade, intuição involuntária da clarividência dos meus enganos.
Elizabeth F de Oliveira Foto 'Clarividência' de Ana Martins
A inerme ingenuidade das manhãs
esconde o rito latente dos cotidianos;
ameniza,
com um tênue traço de candura,
a pressa frenética com que se
deflagra a vida.
Anônimos, permaneceremos,
com uma velada promessa
nos olhos de um azul eterno,
sob um céu nítido de esperanças.
Entre mim e ti há um caminho pontilhado de reticências, há um desassossego nos parênteses da espera. Não sei se pontuo de interrogação o muro de equívocos que nos separa ou se aguardo pacientemente, nas entrelinhas da saudade, a etimologia do teu regresso; pois é aqui nesse exílio, que, por ti, sempre realizo a extradição poética das minhas palavras.
Retoquei a linha do horizonte no afã de me livrar do crepúsculo da solidão, penumbra prematura da minha sede. Mas meus olhos divagaram perplexos de saudade, confinando-se voluntariamente no último instante do poente da memória, à espera de um milagre na rutilância secreta dos teus olhos.
Elizabeth F de Oliveira Foto Álvaro Manuel Mendes Cordeiro
Sobrevivi ao naufrágio de uma saudade avassaladora de sonhos imperfeitos. Vagas sem rumo de mim, ondas revoltas sobre o meu barco sem mar, e uma bússola de incertezas orientando o norte do meu peito. Sobrevivi, resgatada por uma das ilhas desertas da minha solidão sem nome.
Tu inauguraste a galeria do meu sentimento com a tela mais impressionista da emoção. Emoldurada de sonhos, é a obra-prima dos meus anseios, incondicionalmente presa à parede surreal da minha excessiva espera.
Tu és gratia plena em minha poesia. Fez-se luz no horizonte das minhas palavras, na semântica da oração dos meus versos. Bendito é o fruto do teu sentimento, que verte de águas os caminhos da minha sede. Amen.
Sempre vivi Intercalada de saudades, mergulhada, semanticamente, na latência dos sonhos. É como se a aurora nunca raiasse em meus dias, coexistindo em mim um crepúsculo permanente de vida. A timidez da luz sempre foi constante no céu do meu domínio, instaurando perenemente uma meia-claridade de sonhos e velados anseios.
À sombra de todas as vozes, escondem-se silêncios opacos, difusos, que se mesclam ao clamor dos sons. É preciso desvendar-lhes o contorno impreciso para pressenti-los nas entrelinhas sonoras dos seus oscilantes movimentos.
Quando o cansaço cerra os meus olhos com a lâmina pesada do cotidiano, habito, instantaneamente, o universo paralelo do meu peito. Em um lampejo eterno de segundo, reviso lágrimas e sorrisos; dias ensolarados de êxtase e tempestades de tristezas. Revejo sonhos, propositalmente esquecidos na frustração do tempo. Reacendo lembranças boas, Mantidas, bem guardadas, para casos de sobrevivência. Reanimo os amores que carrego na asfixia do meu peito.
Não é possível reter a voz das intempéries quando ela chega ao vértice da vigência da vida. Ela sibila bem trajada de metáforas, adornada de analogias, para disfarçar os olhos desavisados. Mas com o som que ecoa implorante de mudanças, pode-se pressentir o chamamento retumbante da vida. Mudanças assinalam a próxima tempestade, reiterando a urgência dos sonhos.
O brilho dos teus olhos prescindem palavras; são eles mesmos a grafia mais perpétua do sentimento, sobressaltando inadvertidamente os meus, num voo invisível e arrebatador de desejos consentidos.